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Uma triste transformação

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Uma triste transformação
(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

No dia 19 de agosto de 2014, o então candidato ao governo de Mato Grosso rebateu as críticas de José Riva com um argumento ad hominem: “não bato boca com presidiário”. Para quem não manja latim, traduzo. Ao responder Riva, Taques procurou desviar do argumento central para atacar o adversário pessoalmente, demonstrando sua falta de qualidade. Naquela ocasião, o governo anterior e sua enorme entourage (outro termo chique para dizer corriola, no português rasgado) já estava se dissolvendo nas investigações por corrupção. Pedro Taques, treinado anos a fio para acusar, tripudiou à vontade do combalido adversário. A estratégia era simples: dizer-se diferente, honesto, incorruptível, eticamente coerente. Vamos lembrar, porém, que naquele 19 de agosto de 2014 José Riva não era condenado a nada e continua não tendo nenhuma sentença com trânsito em julgado.

Ocorre que, no dia 22 de julho de 2016, à imprensa mato-grossense, o mesmo Pedro Taques – já Governador de Mato Grosso – afirmou que “não podemos prejulgar ninguém”, ao referir-se ao ex-Secretário de Educação Permínio Pinto, preso por participar de um esquema de fraudes à licitações, a fim de vitaminar empresários do mesmo grupo político do executivo, incluindo aí o homem-bomba Allan Malouf, que jura por tudo o que é mais sagrado que a picaretagem se dera com conhecimento expresso de Pedro Taques, até porque servia para cobrir despesas de caixa-dois na campanha, outro crime confessado pelo então tesoureiro-geral.

O antes arguto acusador passou a defender o preso: “não quero julgar o secretário Permínio, não me cabe como governador julgar quem quer que seja. É preciso obedecer o princípio do contraditório, ampla defesa, que é instrumento de dignidade que serve, inclusive, para absolver as pessoas. Portanto, não vou julgar”. No dia 15 de dezembro de 2016, o ex-secretário Permínio Pinto confessa diante da juíza da 7ª vara criminal de Cuiabá que recebeu mesmo a propina de Allan Malouf para permanecer omisso diante da circunstância política de aliados do governo terem se conluiado para assacar o erário. Naquele momento, senti uma certa mudança no leme, uma pequena transformação na tolerância de Pedro Taques. 

O caso dos grampos não deixa de ser emblemático. Além de defender o preso Paulo Taques – atacou o Desembargador Perri. Noutras palavras, não era preciso nem sequer a Justiça dar o veredito final. Em se tratando de família, quem está errado é o próprio Poder Judiciário. No dia 13 de maio de 2017, o Governador declarou à mídia: “no Brasil estamos vivendo um momento em que um cidadão é investigado e ele já culpado, ele é processado e já é condenado. Nós precisamos obedecer à lei, o contraditório e a ampla defesa”.

Ao atacar o Desembargador, Taques avalizou pessoalmente os investigados/presos. Vejamos as declarações de 20 de setembro de 2017: “todas as decisões do desembargador Perri contra os militares do meu governo acusados de grampos e contra Paulo Taques e Rogers Jarbas foram parciais. Todos os militares denunciados, afastados e presos, suspeitos de praticarem grampos são pessoas sérias, honestas e decentes”. 

Não bastasse esses tropeços, até comuns no afã de defender o grupo, o Governador alargou ainda mais o senso ético, o que a Constituição chama simplesmente de princípio da moralidade. É que o Chefe da Casa Civil – dono de um escritório de advocacia – está sendo investigado por um esquema de corrupção, ao defender empresa que, notadamente, jogava contra o Estado de Mato Grosso. Fora contratado 1 dia depois de sacramentada a eleição do futuro chefe. No dia 12 de março de 2018, o Governador-primo saiu-se com a pérola: “Chefe da Casa Civil não pode advogar. Mas isso não significa que escritório não possa advogar”. Ou seja, o braço direito do Governador não pode assinar, mas o irmão (outro primo) e os demais contratados, podem. Quero lembrar que, nos primeiros meses do governo Pedro Taques, o então Chefe da Casa Civil cumpria o Decreto 005/2015 pelo qual todos os cargos comissionados deveriam passar por um pente fino, apresentando certidões negativas cíveis e criminais. No distante 10 de janeiro de 2015, afirmava à imprensa que o comitê especial estava cuidando para que não fossem contratados nem condenados, nem processados. 

O que se conclui é observar uma triste transformação na forma de lidar com presidiários, ora se inclinando a julgá-los antecipadamente e, portanto, menosprezar os argumentos por meio da crítica ad hominem, ora avalizando pessoas na mesma condição ou, finalmente, atacando o Poder Judiciário e o Ministério Público que, juntos, estariam sendo parciais, levianos ou jogando o nome da família na lama. Fico confuso com a honestidade seletiva do Governador. Foram apenas quatro anos para uma transformação tão radical. Afinal de contas, hoje em dia, os secretários que Pedro Taques escolheu passariam naquela peneira ética? Se o STJ decidir abrir inquérito contra o Governador, será que ele observa sua própria regra e renuncia?

Eduardo Mahon é advogado, escritor e colunista do site O Livre

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