Às 16h31 do dia 11 de maio de 2017, o governador Pedro Taques (PSDB) anunciou a exoneração do homem forte do seu governo, seu primo e secretário-chefe da Casa Civil, Paulo Zamar Taques. A notícia surpreendeu o meio político mato-grossense. Nos minutos seguintes, estourou o maior escândalo do atual governo. Com repercussão nacional e internacional, o caso dos grampos ilegais resultou em 13 pessoas presas, quatro secretários exonerados, nove inquéritos criminais e três crises institucionais.

Dois processos sobre o caso correm de forma independente. A Justiça Estadual julga os policiais militares, e a ação está suspensa por decisão do desembargador Luiz Ferreira da Silva. Ele aceitou o argumento da defesa do cabo Gerson, que pediu suspeição contra dois dos quatro coronéis aposentados que formam o Conselho Especial que julga os militares.

O outro processo está no Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde outubro, quando o ministro Mauro Campbell Marques tirou o caso do Tribunal de Justiça (TJ), onde o desembargador Orlando Perri era relator. Ele analisa a situação de todos os civis suspeitos de envolvimento no caso, inclusive o próprio governador e o primo Paulo.

Todas as pessoas presas ao longo da investigação já deixaram a cadeia. No STJ, o processo tramita em segredo de Justiça, sem desdobramentos significativos depois disso.

Paulo Taques está em sua terceira temporada no CCC (Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Estopim

O caso dos grampos ilegais só veio à tona com a denúncia do promotor Mauro Zaque, motivado por desentendimentos pessoais. Segundo o governador, o ex-amigo se rebelou porque ele se recusou a exonerar Zaqueu Barbosa do comando-geral da PM em 2015, quando Zaque era secretário de Segurança Pública (Sesp), e a nomear José Antonio Borges como procurador-geral de Justiça, em 2017, quando o promotor não fazia mais parte do staff.

Mauro Zaque afirmou ter recebido uma denúncia anônima e alertado o governador sobre os grampos por diversas vezes, desde outubro de 2015 – uma delas usando uma apresentação em PowerPoint, acompanhado do adjunto da Sesp e também promotor Fabio Galindo. Pedro Taques admitiu que Zaque avisou sobre os grampos, mas disse que considerou as denúncias como “fofoca”.

O promotor denunciou o caso à Procuradoria Geral da República (PGR) em janeiro de 2017. Depois disso, a informação chegou à imprensa. Ao fazer uma reportagem sobre o suposto esquema, a equipe do programa Fantástico, da Rede Globo, procurou o governador. Imediatamente, foi providenciada a exoneração de Paulo Taques da Casa Civil. A reportagem foi ao ar três dias depois.

Mauro Zaque foi amigo de Pedro Taques por mais de 20 anos (Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Fofoca e protocolo fraudado

Pedro Taques concedeu uma entrevista coletiva 24 horas depois do estouro da crise. Visivelmente abalado, ele acusou o promotor Mauro Zaque de fraudar o protocolo da denúncia e, com base nisso, negou ter conhecimento de qualquer esquema de grampos em seu governo. Taques sustentou a negativa por três dias, até admitir que Zaque de fato o avisou – mas disse que considerou as denúncias como “fofoca”.

O tiro saiu pela culatra. O Ministério Público Estadual (MPE) apurou a denúncia contra Zaque e o inocentou. Uma apuração da Controladoria Geral do Estado (CGE) mostrou que, na verdade, a troca dos protocolos ocorreu no sistema do governo. O substituto de Paulo na Casa Civil, José Adolpho, acabou sendo investigado pelo MPE, suspeito de participar da fraude, que teria como objetivo obstruir a investigação sobre os grampos.

Tatiana Sangalli é considerada pivô do escândalo dos grampos

Paranoia, dinheiro, poder e sexo

Diversas autoridades, políticos e pessoas ligadas aos suspeitos foram vítimas de grampos ilegais entre 2014 e 2016. Entre eles, a publicitária Tatiana Sangalli, que tinha um romance com Paulo Taques. O desembargador José Ferreira Leite, confrade de Paulo na Maçonaria, também foi alvo de escuta.

Opositores como a deputada Janaina Riva (MDB) e o candidato derrotado ao governo e jornalista José Marcondes “Muvuca” foram grampeados, além dos advogados José do Patrocínio e José Antonio Rosa, que trabalharam nas campanhas de Lúdio Cabral (PT) e Janete Riva (ex-PSD) ao governo. Três linhas pertencentes ao MPE foram interceptadas. Diversos outros cidadãos, cuja motivação ainda não foi revelada, também foram alvo.

Para grampear os celulares, foi utilizado uma tática conhecida como “barriga de aluguel”, em que números de pessoas comuns são inseridos em investigações criminais para serem espionadas. A lista com os números grampeados foi divulgada em primeira mão pelo LIVRE. Há suspeitas que diversos outros telefones tenham sido interceptados no mesmo esquema.

Ao repercutir o caso, o jornal espanhol El País descreveu um clima de “paranoia política” em Mato Grosso, e comparou a narrativa dos grampos a uma trama cinematográfica, que “envolve dinheiro, poder e sexo”.

O desembargador Orlando Perri mandou prender 13 pessoas por envolvimento no caso

Instituições em conflito

A repercussão do escândalo acabou levando a crises institucionais. Poder Executivo e Judiciário bateram de frente, e o governador Pedro Taques chegou a acusar o desembargador Orlando Perri de perseguir seu governo. Quando o magistrado afastou Rogers Jarbas do comando da Sesp, em 20 de setembro, Taques tachou a decisão de “absurda”, “esdrúxula”, “esquisita” e “teratológica” e chamou o inquérito de “pseudo investigação denominada grampolândia”. Uma semana depois, Jarbas foi preso, com outras sete pessoas, suspeito de obstruir a investigação.

Em meio ao desenrolar do escândalo, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Mato Grosso pediu ao TJ que investigasse grampos ilegais que teriam sido feitos por membros do MPE, que teriam quebrado o sigilo fiscal de cidadãos sem decisão judicial. Presidente da Associação Mato-grossense do Ministério Público (AMMP), o promotor Roberto Turin acusou a entidade de usar o caso dos grampos para bisbilhotar e interferir no trabalho do órgão.

O procurador-geral Mauro Curvo pediu que o TJ arquivasse a notícia-crime da OAB, sob o argumento de que o MPE já estava investigando a denúncia contra os promotores. O pleno do tribunal negou o pedido. Para completar a crise entre o Poder e o órgão autônomo, Perri autorizou a Operação Esdras sem pedir parecer do MPE. Ele alegou que existiam indícios de que um grupo dentro do órgão agia contra ele.

Coronel Zaqueu foi apontado como chefe do esquema dentro da PM (Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Prisões

No total, 13 pessoas foram presas suspeitas de participar do esquema de grampos ou de atrapalhar as investigações – três civis e 10 policiais militares, sendo seis oficiais. Todos já saíram da prisão. Paulo Taques, porém, está preso em outra operação, a Bereré, suspeito de corrupção no Detran.

Os primeiros foram o coronel Zaqueu Barbosa, ex-comandante-geral da PM, e o cabo Gerson Correa, presos em 23 de maio, 12 dias depois de o escândalo estourar. Os dois foram os que passaram mais tempo na cadeia – foram quase nove meses para Zaqueu e dez para Gerson.

A segunda leva foi em 23 de junho. Foram alvos o chefe afastado da Casa Militar, coronel Evandro Lesco, o secretário-adjunto, coronel Ronelson de Barros, o tenente-coronel Januário Batista, e o cabo Euclides Luiz Torezan.

Em 4 de agosto, foi a vez de Paulo Taques, apontado pelo desembargador Orlando Perri como um dos chefes do esquema. Ele passou seis dias no Centro de Custódia de Cuiabá (CCC).

Coronel Siqueira e Rogers Jarbas foram presos na Operação Esdras (Foto: Ednilson Aguiar/O Livre)

Em 27 de setembro, a Polícia Civil deflagrou a Operação Esdras e prendeu oito pessoas, depois que o tenente-coronel José Henrique Costa Soares entregou um plano para filmar o desembargador Orlando Perri e armar uma situação para afastá-lo do processo. Paulo e o coronel Lesco foram novamente alvos, suspeitos de atrapalhar a investigação. A esposa do PM, Helen Christy Lesco, também foi presa, assim como o major Michel Ferronato.

Dois secretários, ainda no cargo, também foram para a prisão: Rogers Elizandro Jarbas (Segurança Pública), suspeito de obstruir a investigação, e Airton Benedito de Siqueira (Justiça e Direitos Humanos), suspeito das escutas ilegais, e que seria o beneficiado pela obstrução. Eles foram exonerados dois dias depois.

Ainda nessa operação, foram presos o sargento João Ricardo Soler, por dar apoio técnico ao Sistema Sentinela, e o empresário José Marilson da Silva, responsável pelo desenvolvimento do sistema.

Agentes investigam o “passeio” do coronel Evandro Lesco pelo CPA

Escapadinhas

Enquanto estava preso, Evandro Lesco foi flagrado andando pela cidade. A reportagem do LIVRE revelou que, na manhã do dia 4 de outubro, o coronel foi a uma farmácia no bairro CPA 4, onde comprou sabonete, creme dental e desodorante. Ele estava preso no 3º Batalhão da Polícia Militar e foi transferido para o Batalhão da Rotam depois da escapada.

O cabo Gerson também foi acusado de deixar a prisão. Denúncias anônimas afirmaram que ele foi à boate Cristal, além de ter sido liberado para sair e “tomar cerveja”.

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