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Serviço Público não é “Game of Thrones”

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Serviço Público não é “Game of Thrones”
(Foto: Divulgação/Pixabay)

Mais um dia normal de trabalho com agendas e reuniões a serem cumpridas numa quarta-feira de maio. No final da manhã, fui participar da despedida do senhor Antonio. Um colega com mais de três décadas dedicadas à instituição. No primeiro crachá seus cabelos pretos e bem penteados despontavam na foto em preto e branco.

No desenrolar do tempo, ocupou inúmeros cargos importantes de liderança, quando ainda se chamavam “cargos de chefia e direção”. Teve muito poder, chegou ao topo de sua carreira pública com uma característica ímpar: a humildade.

Querido por todos, foi subindo os degraus profissionais por merecimento graças à sua competência, honestidade, simplicidade e respeito à coisa pública e às pessoas. Para ele, atender bem o cidadão, era prioridade. E repetia: ˜Estou aqui para servir o público˜.

A cerimônia foi de fato emocionante e singela, como o homenageado, e nos deixou a certeza que iríamos sentir muito a sua falta. 

[featured_paragraph]Antes de sair, “seo” Antônio deu uma olhada à sua volta, bateu com as duas mãos no joelho, levantou-se e disse: “Bem, está na hora! Estou indo para casa cuidar dos netos”.[/featured_paragraph]

Abaixou-se e pegou uma caixa com algumas coisas dentro. 

Perguntei num tom melancólico: “Já levou suas coisas antes para não nos deixar mais tristes na sua saída?”. 

Ele virou-se balançando a cabeça em tom negativo: “Os meus trinta e poucos anos estão aqui. Fui nesses anos apenas um fiel depositário de tudo à minha volta. Tudo aqui é de todos, pertence ao povo, o nosso patrão”.

Dirigiu-se para a saída acompanhado de colegas, entre abraços e agendamento de churrascos e peladas nos finais de semanas. Saia pleno, exalando leveza e a certeza do dever cumprido.

Aquela quarta-feira não seguiria mais como as outras, entraria para o meu rol de dias de grande aprendizado.

Sim, precisamos de mais “senhores Antonios” no setor público. Pessoas que não se sintam superiores aos seus colegas, que cheguem ao poder sem indicação, que não se identifiquem como “donos do seu setor”, da sala, do computador, do telefone e até da vaga na garagem. Líderes que não personalizem o serviço público, que não se acomodem em seus cargos e funções deixando de enxergar a sociedade como destinatário de todas as suas ações. Os que assim caminham, relativizam o interesse público, ficam imersos na burocracia e não geram valor público.

Fiquemos atentos e abramos os olhos pois o serviço público não é seriado de “The Game of Thrones”. Lidamos com algo maior que impacta a vida das pessoas e isto sim deve ser o propósito de nossas ações e decisões. 

Bem, já estou muito tempo longe da sala, vou voltar ao trabalho e colocar uma caixa bem perto da mesa e, de tempos em tempos, verificar seu conteúdo. Pois como Saramago já disse:“O pior cego é aquele que não quer ver.”

Em tempo, sou servidora pública há algumas décadas e com muito orgulho. E na lida diária, a minha fé e meus cabelos brancos já me ensinaram que “servir é bem mais difícil que mandar”

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