Infeliz o povo que não conhece seus direitos; mais infeliz ainda o povo cujos agentes públicos que deveriam servi-los desrespeitam as leis em nome da arrecadação, agindo de forma arbitrária e autocrática.

É lugar comum asseverar a função arrecadatória de alguns órgãos estatais, ainda que supostamente imbuídos de interesses superiores de “proteção da população”. O Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA é uma dessas maiores manifestações. Paga-se um alto valor aleatório, segundo parâmetros abstratos, unicamente por se possuir veículo automotor; não bastasse a já escorchante carga tributária sobre o fabrico desses bens, o Estado arruma mais uma justificativa para meter a mão no seu bolso.

Pois bem, “grosso modo”, o licenciamento anual dos veículos só serve para que seja cobrado o respectivo tributo, logo, não é em si uma autorização, uma licença ou uma concessão, mas um meio de compelir os cidadãos a realizarem o pagamento do tributo cuja metade fica no município em que está registrado o veículo – por isso é uma forma de aumentar a arrecadação apreender o bem para forçar o pagamento. Mais grave ainda é perceber que não é possível licenciar o veículo sem o pagamento do IPVA, taxas e demais multas existentes.

Como forma de coagir ao pagamento, inventa-se a apreensão administrativa do bem – veículo automotor – em caso de não pagamento dos tributos, taxas e multas, impelindo à suposta “ilegalidade” aquele que não pagou o tributo.

Aqui, porém, não será tratada a razão da existência de tal tributo, tampouco a destinação de tais valores para determinadas obras ou ações do poder público, mas sim na ilegalidade judicialmente reconhecida de forma reiterada na ação de apreensão do veículo exclusivamente por razões tributárias (falta de licenciamento e pagamento do IPVA).

Já de longa data resta pacífico nos tribunais pátrios que não se pode apreender mercadorias, bens ou valores para fins de pagamentos de impostos quando há outra forma de o Estado realizar a cobrança.

Em termos claros: ainda que haja uma previsão normativa para a apreensão, esta já foi exaustivamente afastada pelo Poder Judiciário de todo o país.

Malgrado estas decisões reiteradas, a Secretaria de Mobilidade Urbana da Prefeitura de Cuiabá (Semob) insiste em realizar a apreensão dos veículos para forçar o pagamento do imposto estadual e, ainda por via de conseqüência, arrecadar com as multas diárias de armazenamento do bem em pátio e valores referentes ao guincho – uma verdadeira empresa.

A multa é devida, ponto. Enquanto não se questionar sua legalidade, assim como a natureza do IPVA, não é também este ponto a ser analisado. Multa devida, pague-se. Imposto devido, pague-se. Mas, ainda que haja a multa, a apreensão do veículo por razões exclusivas ao não pagamento do imposto e licenciamento é absolutamente ilegal, e quem diz isso não é o autor deste texto.

Tornando-se à apreensão, não é espaço para longas discussões teóricas jurídicas, mas pode-se, em suma, asseverar que os princípios constitucionais não permitem a apreensão do veículo para pagamento de tributo (como o princípio do não confisco), a existência das Súmulas 70, 723 e 547 do STF, as lesões ao direito de propriedade, lesão ao devido processo legal, lesão ao direito ao trabalho, ataque à dignidade da pessoa humana, entre tantos outros. Por fim, acaba-se que a apreensão por falta de pagamento do IPVA tem caráter verdadeiramente expropriatório.

A única forma permitida ao Estado de realizar a cobrança de IPVA é pelo processo de execução fiscal. Qualquer medida fora disso é ilegal e abusiva. Inclusive os agentes públicos que realizam a apreensão devem ser responsabilizados, assim como os danos causados ao cidadão devem ser cobrados em ação específica de reparação de danos contra Estado e servidores.

Por isso, todo aquele que tem seu veículo indevidamente apreendido pela Semob deve urgentemente procurar um advogado, recorrer ao Judiciário e, mesmo sem ter de quitar os impostos devidos, obter novamente a posse de seu bem.

* Fernando Henrique Leitão é advogado e membro do Instituto Caminho da Liberdade – ICL-MT (fhcleitao@hotmail.com) 

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