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Posse de armas: narrativa versus realidade

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Posse de armas: narrativa versus realidade
Foto: Asaph Hiroto

Começo esse artigo pedindo desculpas aos amigos que seguem aqui no O Livre a minha coluna. O decreto referente às armas, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro no último dia 15, gerou uma avalanche de demandas. Eu simplesmente perdi a conta de quantos jornalistas atendi.

Se por um lado isso praticamente impediu que eu escrevesse aqui, para minha coluna, um artigo específico, proporcionou que eu tenha uma visão mais clara da coisa como um todo, em especial de como a imprensa – ou pelo menos boa parte dela – vem tratando o assunto, muitas vezes de forma quase cômica, como fez o jornal O Globo, ao dar destaque a uma reportagem onde a astróloga e ex-integrante do grupo As Frenéticas, Leiloca Neves, alertava para os perigos de se armar a população durante um eclipse.

Realmente muito preocupante.… Bom, deixando de lado esse tipo de reportagem investigativa de alta complexidade e relevância, analisarei alguns pontos principais abaixo.

A posse de armas está garantida para todos os brasileiros?

Não, não está! Cabe lembrar que o decreto presidencial abordou tão somente a posse e não o porte. Assim, aquele comentarista da Globonews que afirmou que teríamos um monte de gente armada dentro do ônibus pode dormir mais tranquilo. O decreto criou um critério objetivo para questão da justificativa para compra de arma – justificativa esse de caráter ilegal e discricionário que, na prática, criava uma espécie de proibição branca para o comércio – utilizando a taxa de homicídios de 2016 para isso. Eu também errei em uma análise inicial, ao afirmar que alguns estados estariam fora por esse critério. O que ocorre é que todos os estados brasileiros em 2016 tinham taxas superiores a 10 homicídios por 100 mil habitantes. E isso garante que agora todos os brasileiros vão poder comprar armas? Não, e eu explico…

O processo todo para se comprar uma arma continua exatamente igual, ou seja, um processo caro e extremamente burocrático. Agravado ainda pelo fato de que, pelo menos por enquanto, só pode ser realizado nas delegacias da Polícia Federal. Sendo assim, boa parte da população brasileira, em especial os mais pobres e que moram em locais mais afastados dos grandes centros urbanos, continua não tendo como adquirir legalmente uma arma para sua defesa. A narrativa de que milhões de brasileiros sairão de suas casas e em breve teremos mais milhões de armas circulando não é real ou, sendo muito benevolente, é exagerada.

Somente homens podem comprar armas?

A dúvida parece absurda, mas é só dar uma olhada nos jornais e verificar a quantidade de ilações e espúrias feitas entre a venda legal de armas e os homicídios de mulheres, dando a impressão de que somente aos homens foi facultada a compra de armas… Sarcasmo à parte, a ideia de que mulheres estariam em maior risco em casas com armas de fogo é absolutamente falsa.

Em São Paulo, por exemplo, de acordo com estudo do Ministério Público, 83% das mulheres assassinadas foram vítimas de homens desarmados! Facas, espancamentos com paus e outros objetos (além das próprias mãos!) foram as “ferramentas” mais utilizadas pelos assassinos. Isso demostra claramente que, via de regra, a força física do homem é suficiente para colocar a mulher em situação inferior e quase sempre sem chance de defesa. Oras, pelo bom raciocínio, é fácil imaginar que talvez a única chance de uma mulher sobreviver a um ataque desses é exatamente tendo uma arma, um inquestionável equiparador de forças.

E não é só isso. Na narrativa do medo, as perguntas que deveriam ser feitas, nunca são: quantos desses crimes foram cometidos por homens que possuíam legalmente armas de fogo? Se não houvesse uma arma presente, o crime estaria indubitavelmente inviabilizado?

O governo está privatizando a segurança pública?

A maior liberdade para posse e para o porte de armas nunca foi requerida ou apresentada como solução para criminalidade. Porcamente comparando, seria como se alguém comprasse um casaco esperando com isso acabar como o inverno! Oras, quem usa um casaco só quer se proteger do frio! A verdade é: mesmo que a segurança pública brasileira fosse de nível suíço, a liberdade para a escolha de querer se defender é inquestionável e não pode estar calcada no utilitarismo frio dos academicistas.

A própria ideia de segurança pública é gigantescamente deturpada no Brasil. Não, a segurança pública não é responsável pela garantia de proteção individual, 24 horas por dia, em todos os lugares. A ideia é simplesmente utópica, inatingível! Prova disto é que todos os tribunais entendem que vítimas de criminosos não podem acionar o Estado por conta disso, confissão de que o mesmo Estado não pode te proteger sempre e, portanto, não cabe a esse Estado impedir que você exerça a autodefesa.

Isso é um resultado claro da ação de ideólogos que querem o Estado controlando tudo e todos. Seria como impedir que alguém tivesse plano privado de saúde, de que colocasse seus filhos em escolas particulares ou, ainda, que tivesse carro particular, com a justificativa de que é obrigação do Estado prover “gratuitamente” todos esses serviços!

As mortes crescerão?

Duvido muito! Ou melhor, aposto que não! A ideia de que mais armas significam inexoravelmente mais mortes é extremamente frágil e dificilmente comprovável, ainda mais perante muitos exemplos internacionais, começando pelo fato de que nenhum país que adotou o desarmamento como política de segurança pública tenha, comprovadamente, reduzido a criminalidade violenta por conta disso, muito pelo contrário.

Estaremos diante de uma oportunidade única, em que poderemos medir os efeitos de uma política inversa de desarmamento, ou seja, de uma política de acesso pacífico às armas de fogo. Tenho absoluta certeza de que já em 2019 isso poderá ficar claro com os números das taxas criminais. Aliás, 2018, mesmo com todas as restrições, bateu recorde na venda legal de armas e teve redução dos homicídios. O tempo dirá, mais uma vez, quem está certo.

Os “armamentistas” conseguiram o que queriam?

Só aqueles que só se preocupam com o próprio umbigo. Aquela coisa: se resolveu para mim, já está bom; posicionamento bastante comum ao qual eu nutro profunda aversão – nojo mesmo. Há milhões de cidadãos trabalhadores no Brasil que não conseguirão ter acesso à ferramenta hábil para exercer sua defesa.

A legislação atual é preconceituosa e elitista, os decretos são frágeis e a mudança de governo pode acarretar na revogação de tudo que foi feito. Sendo assim, não me passa, nem remotamente, aceitar o que temos nesse momento como suficiente. A verdadeira guerra que haverá no Congresso nesse tema provará isso. Aguardem…

Bene Barbosa é especialista em segurança, escritor, presidente do Movimento Viva Brasil, palestrante, autor do best-seller Mentiram Para Mim Sobre o Desarmamento e instrutor convidado do Curso Básico de Armamento e Tiro do Projeto Policial.

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