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Passando vergonha 100 vezes mais! Cem vezes!

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Passando vergonha 100 vezes mais! Cem vezes!
Foto: Oleg Volk

Tudo começou com o bárbaro espancamento de uma mulher por um homem no primeiro encontro dos dois. Um daqueles casos escabrosos que nos fazem querer que as torturas medievais para prisioneiros voltassem à moda… Mas deixemos os pensamentos bárbaros de lado e voltemos ao ocorrido. Nas redes sociais pulularam várias postagens sobre o caso, dentre elas uma feita no Twitter pelo vereador Carlos Bolsonaro: “Se esta senhora tivesse como se defender, e fosse de sua vontade, uma arma de fogo legal resolveria justamente este absurdo. Imagine as sequelas eternas deixadas por esse covarde? A defesa pessoal dentro de sua casa tem que ser prioridade urgente do Congresso Nacional”.

Pronto! Foi o que bastou para que uma série de notícias fossem publicadas – quase exclusivamente criticando o posicionamento do filho do presidente – em diversos jornais e portais de notícias. A questão é: afinal, qual foi o absurdo dito? Nenhum! Se eu tivesse que tecer alguma crítica, ou melhor, uma análise mais fria do ocorrido, poderia dizer que por não conhecer em detalhes a dinâmica da agressão seria impossível prever se uma arma resolveria ou não a questão em favor da vítima.

Agora, óbvio, desarmada e não contando com força física equiparada ao de seu agressor, ela não tinha praticamente nenhuma chance de revidar para cessar o covarde ataque. Fato! Neste ponto cheguei à conclusão que, para esse pessoal, uma cena de uma mulher armada e preparada para se defender é muito mais perturbadora que a cena dela desfigurada após o ataque.

A partir daí os justiceiros sociais saíram em defesa do desarmamento – das vítimas, claro! – reafirmando que uma arma não poderia fazer diferença e que, na realidade, se ela tivesse uma o risco seria ainda maior. Juro que até hoje eu não consigo entender essa deturpação lógica e moral que acomete certas pessoas. Oras, como assim seria pior? Ele só não a matou, porque assim não o desejou.

Lembro aos incautos que em São Paulo, por exemplo, 83% dos assassinatos de mulheres correm sem o uso de armas de fogo! Uma faca, um fio, um ferro de passar e as próprias mãos são armas tão letais quanto qualquer arma de fogo quando um homem tem uma mulher já subjugada pela desproporcional diferença de forças!

 

Mesmo que o risco fosse comprovadamente maior – e não é! – a escolha deveria ser tão somente da mulher em possuir ou não uma arma para sua defesa.

 

Dessas postagens surgiu a citação a um artigo que mostraria “comprovação” de que mulheres armadas possuem mais chances de morrer que mulheres desarmadas… Nas exatas palavras do postante: “Estudo COMPROVOU que uma mulher com uma arma de fogo em casa tem 100 vezes mais chances de morrer pelo companheiro do que usá-la para defesa pessoal. 100 vezes mais chances de morrer. Cem vezes”. Pouco tempo depois houve o compartilhamento dessa “informação” pela sub-vice candidata à presidência, Manuela d’Ávila, que ostentou aquela camiseta “lute como uma garota”. Fico me perguntando, uma garota desarmada contra alguém mais jovem, maior e mais forte? Como Manú? Como?  Neste ponto cheguei à conclusão que para esse pessoal, a cena de uma mulher armada e preparada para se defender é muito mais perturbadora que a cena dela desfigurada após o ataque.

O artigo em questão tem um título sedutor aos que recorrem ao Google para comprovar suas teses sem checar a veracidade do fato e, principalmente, sem nem mesmo saber o que significa a checagem de fontes primárias: “Um novo estudo desmascara a alegação da NRA de que as armas protegem as mulheres”. O autor, entre outras coisas, trabalhou como pesquisador para Michael Moore! Quem conhece essa triste figura já pode imaginar o resto. O tal estudo que comprovaria essa tese é de 2017 e já havia passado pelas minhas mãos na época.

Primeiro, ele não fala em mulheres que têm arma em casa, e sim em mulheres que são mortas com a utilização de armas de fogo versus mulheres que em legítima defesa mataram seus agressores usando armas de fogo. São coisas completamente diferentes! A autoria do estudo, cuja íntegra está aqui, é da ONG Violence Policy Center que, como vocês poderão verificar visitando o site, tem por objetivo implementar restrições à posse de armas nos EUA e confecciona “estudos” e “pesquisas” unicamente com esse objetivo, sempre partindo do pressuposto que armas são ruins e ponto final. Mas isso, por si, não quer dizer muita coisa, afinal o tal estudo poderia estar correto. Certo? Não!

O tal estudo é uma gigantesca fraude estatística; usa claras artimanhas para “provar” suas hipóteses. Entre elas a falácia, ou seja, partir de um pressuposto verdadeiro, de fatos, para chegar em uma conclusão completamente falsa.

Em resumo, o estudo não passa da comparação direta entre o número de mulheres assassinadas com o uso de armas de fogo, 1.686 casos, e os casos onde elas usaram armas de fogo e mataram os seus agressores, apenas 16 ocorrências. Qual a relação entre as duas coisas? Nenhuma! No excepcional livro Como Mentir com Estatística, autoria de Darrell Huff, está a explicação disso: “Se você não puder provar o que deseja, demonstre outra coisa e finja que são iguais. Na confusão que resulta do choque da estatística com a mente humana, dificilmente alguém notará a diferença”.

Por algum acaso essas 1.686 mulheres estavam armadas quando assassinadas? Não! As 16 que mataram seus algozes estavam? Sim! São situações completamente diferentes. Mesmo que o estudo levasse em consideração apenas casos onde mulheres estavam armadas e foram mortas seria pouco válido, uma vez que somente casos onde os criminosos morrem é que vão parar nas estatísticas.

Um exemplo? Aquele vídeo onde um homem soca a cara de uma moça em um restaurante, a sua colega de trabalho saca a arma e coloca o valentão para correr, salvando, talvez, a vida da mulher agredida. Isso vira estatística? Não! Não vira!

De acordo com as pesquisas dos professores Kleck e Gertz constante no estudo intitulado Armed Resistance to Crime, mais de 200.000 mulheres usam defensivamente armas de fogo contra crimes sexuais todos os anos nos Estados Unidos. Você acredita que esses especialistas de Internet já passaram perto ou teriam a honestidade de reconhecer tais estudos e números? Nunca! O mesmo estudo aponta uma estimativa de uso de armas em legítima defesa naquele país: 2.500.000 de vezes ao ano! Vidas salvas! Salvamentos invisíveis às estatísticas oficiais. Temos, ainda, o estudo Rape Victimization in 26 American Cities feito pelo Departamento de Justiça americano que demostra que apenas 3% – sim, apenas 3%! – dos estupros se concretizam quando a mulher está armada e reage.

Há diversas outras variáveis que foram convenientemente esquecidas no estudo, entre elas qual era o histórico criminal dos assassinos? Esses criminosos compraram legalmente suas armas? Seria possível afirmar que se não possuíssem uma arma de fogo deixariam de assassinar suas vítimas? Pois bem, sabem por qual motivo nada disso é levantado? Simplesmente porque mataria a narrativa no nascedouro!

O documento em análise acaba ele próprio se contradizendo. De acordo com o gráfico constante na página 3, o número de homicídios de mulheres caiu consecutivamente por quase duas décadas, porém, a venda de armas nesse período continuou crescendo e muito. Para vocês terem uma ideia do tamanho da coisa, apenas na Black Friday de 2017 estima-se que foram vendidas mais de 300 mil armas de fogo. Em um dia, a população americana comprou armas suficientes para equipar todo nosso Exército ou metade das nossas forças policiais!

Para encerrar, de acordo com um estudo do Instituto EMI – Eu Mesmo Inventei – lançar-se ao debate sem conhecimento, sem checar as fontes, sem estudar, acreditando em manchetes visivelmente falsas faz com que uma pessoa tenha 100 vezes mais chances de passar vergonha. Cem vezes!

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