O Roda Viva com Bolsonaro foi um show de excentricidades. De um lado, um conjunto de jornalistas completamente despreparados, fazendo perguntas monotemáticas e tentando plantar cascas de banana para o candidato. De outro, Bolsonaro, como sempre agressivo, destemperado e despreparado para sair da temática da segurança pública. Percebe-se que a mídia se fixa na questão da ditadura como se Bolsonaro realmente representasse uma nova configuração política, uma ruptura com o atual modelo. Jornalistas mal preparados deixam de enfocar Bolsonaro pelo seu lado mais perverso – a deficiência de conhecimento dos setores onde o Brasil mais precisa de atenção: infraestrutura, macroeconomia e legislação política. O jogo ficou fácil para o candidato e reforçou a convicção dos eleitores – meu candidato entrou e saiu ileso da cova dos leões. 

Bolsonaro não sabe o que dizer da reforma política. Ele migrou por tantos partidos que o próprio candidato não passa de mais uma peça do baixo clero parlamentar. Nunca esteve envolvido em nenhum processo decisivo, nem conseguiu em sete mandatos propor nada além de reformas pontuais na legislação penal para endurece-la. Não participa de nenhuma comissão relevante, não levanta bandeiras importantes para o país, apegando-se à defesa de interesses segmentados como a aposentadoria de militares, por exemplo. O grande trunfo de Bolsonaro – esse é um porto seguro – é que não está envolvido em nenhum escândalo que enlameia todos os outros. A aparente honestidade justificaria a incapacidade pessoal do candidato para temas até simplórios – saúde básica, educação infantil, vacinação e esgotamento sanitário. Bolsonaro é a cara do brasileiro médio: não tem leitura. Por isso mesmo, desperta fascínio com essa aura de ignorância sincera.

Enquanto Bolsonaro era encurralado por jornalistas incapazes, num outro canal Álvaro Dias dava um show de civilidade, debatendo assuntos com um debatedor qualificado. Mostrou-se equilibrado diante das várias discordâncias de pontos de vista, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento. Os candidatos de peso nas eleições, aqueles que chegam mais longe, compreendem que as questões num Brasil tão desigual não são resolvidas na base da canetada. Entendem que o jogo político demanda negociação, muito argumento e uma boa dose de caldo de galinha. Os sistemas previdenciário, tributário, cambial, bancário não podem ser reformados sem amplo debate. Para tanto, só ingênuos ou tolos acreditam que alguém sem uma ampla base de apoio partidário conseguirá mexer num parafuso desse intrincado mecanismo de muitos lobbys. 

[featured_paragraph]Quem mais? Qual outro? Quem sobra? São as perguntas dos adeptos de Bolsonaro. Há muita gente capaz no Brasil e outros candidatos interessantes para ouvir e considerar. A começar com Álvaro Dias e Amoedo, por exemplo. Não é possível que um presidenciável tenha uma única plataforma de governo – permitir que a população se arme e conviva com leis penais mais severas.[/featured_paragraph]

Bolsonaro não fala uma única palavra sobre a independência do Banco Central, sobre a liberdade de flutuação do câmbio, sobre medidas de proteção ao dumping internacional, sobre os critérios de incentivo fiscal para as exportações. Limita-se a se dizer “liberal”, sem nunca ter lido um único livro de economia. Evidentemente que o discurso de Bolsonaro envolve os antipetistas de forma geral e amplia-se em meio à direita até então envergonhada e que, agora, desabrocha em toda a sua truculência. Seduz realmente uma parcela que rejeita as políticas equivocadas do PT, o culto a Lula e o desserviço político e administrativo que o petismo causou.

Lamento muito que jornalistas experientes tenham se prestado a consolidar a imagem de Bolsonaro. Enquanto se discutir ditadura e armamentismo, os eleitores não saberão o quão o candidato deles é incapaz. Já há uma opinião formada e não serão as perguntas dúbias de jornalistas irônicos que mudarão a crença (ainda que equivocada) que a ditadura foi um período de intervenção militar democrática e que armar a população é o melhor caminho para se defender. Jornalistas mais inteligentes deveriam desnudar Bolsonaro perguntando qual a contribuição de relevo que emprestou à legislação brasileira, que é nenhuma. Finalmente, deveriam aproveitar a enorme audiência para perguntar obviedades desconhecidas por Bolsonaro, tornando óbvio o que Bolsonaro é: um obtuso.

Eduardo Mahon é advogado e articulista de O Livre.

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