Estava em Itanhaém, no litoral paulista, onde passava as férias com a família. A morte não era íntima, como se tornou com o passar dos anos. Era distante, mas sagrada.

Morrer, para mim, significava um processo. Todo um ritual que precisava ser completado. Velar o corpo, reunir famílias e amigos, chorar, rezar, quase sempre santificar o morto.

No meu limitado conhecimento, jurava que o processo era igual para todos os seres humanos.

Pois naquela manhã de verão, no início da adolescência, toda minha compreensão foi alterada.

Vi uma movimentação estranha na praia. Uma aglomeração. Algo havia acontecido.

Logo veio a notícia de que um corpo fora encontrado. Mais detalhes foram chegando. Uma mulher afogada.

A cena da praia era dramática: o corpo sem vida, preso por uma corda a uma daquelas bandeirinhas sinalizadoras, boiava à mercê das ondas. De barriga para baixo e cabelos soltos, sempre pensei como seria o rosto daquela mulher, que fora alterado pela ação do mar.

Nunca esqueci daquele momento nem daquele ser humano. Quais eram seus sonhos? Viveu grandes amores? Foi feliz? Aproveitou a vida? O que pensava antes do último suspiro?

Na praia, a curiosidade das pessoas durou algumas horas. Uns ficavam algum tempo tentando descobrir mais detalhes, outros passavam sem tanto interesse.

No fim do dia, o corpo sem vida flutuava sozinho sem que ninguém da praia tomasse conhecimento.

Naquele dia, vi como morrer poderia ser banal. E que o processo que falei no começo do texto não era estendido a todos. Até na hora da morte havia privilégio para alguns.

Nunca entendi por que aquele corpo sem vida ficou um dia inteiro boiando sozinho numa praia de São Paulo.

Nunca entendi, mas nunca me esqueci a cena. E sempre imagino quais sonhos foram afogados naquela manhã de verão.

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