O brasileiro é cordial, mas sabe castigar. Pede, suplica, implora e demora a punir os ingratos, mas quando o faz não dispensa providências severas. Não castiga apenas protegidos e protetores, estende o corretivo também aos padroeiros.

Os costumes nacionais incluem solteiras desesperadas por casamento que arrancavam o Menino Deus dos braços de Santo Antônio e só o devolviam quando o noivo aparecesse.

Por este ou outros motivos, outras amarravam a imagem do santo numa corda e mergulhavam a dupla em poço, açude ou cisterna até que fossem atendidas.

Um agricultor capixaba, inconformado com a chuvarada, pegou os santos que tinham em casa, fixou-os na parede do açude e ameaçou que se não interrompessem as chuvas, desceriam água abaixo. Vizinhos viram quando as imagens começaram a ser carregadas pela enchente e ele não se deu por vencido: “Vão porque querem ir”.

No Rio antigo, o violinista e compositor Cândido Pereira da Silva, o Cândido Trombone, de apelido Chorão, ajoelhou-se diante da imagem de Santa Rita, de quem era devoto, e suplicou-lhe ajuda para vencer a bebida, pois temia a recaída ao ser convidado com insistência para uma festa de batizado num subúrbio.

Não foi atendido pela santa e voltou bêbado, carregado nas costas de um amigo. Chorão confiscou uma dúzia de ovos do portador e atirou todos, um a um, na imagem da santa. Não se soube quantos acertou, mas o fim era reprovar a insensibilidade da padroeira. Esta história nos é contada por Alexandre Gonçalves Pinto, carteiro de profissão, em O Choro, livro publicado em 1936 e reeditado pela Funarte em 1978.

As rezas brasileiras e seu contexto são um arsenal de nossos usos e costumes. Também as Almas do Purgatório fazem permuta de orações com os “degredados filhos de Eva” que, “gemendo e chorando neste vale de lágrimas”, ainda não se foram daqui. Aliás, a santa italiana Catarina de Bolonha dizia que tinha sido atendida muitas vezes pelas Almas do Purgatório. Os brasileiros, porém, têm algo a mais sobre isso: se não são atendidos, ameaçam as Almas do Purgatório com severa advertência, dando conta de que não rezarão mais por elas. Depois se arrependem, fazem novo pedido e voltam a rezar.

O brasileiro médio tem foro religioso privilegiado. Como observa Luís da Câmara Cascudo no livro Religião do Povo, quando diz Minha Nossa Senhora ou apenas Nossa, a pessoa revela, quase sempre sem querer, uma intimidade com o outro mundo que poucos entenderiam, a começar pelo uso de dois pronomes possessivos simultâneos nas expressões de admiração pelo êxito ou de lamentação pela desgraça.

O Brasil ainda é o maior país católico do mundo. Somos uma potência religiosa e alguns de nossos pontos turísticos referenciais espelham esta grandeza.

A Basílica de Nossa Senhora Aparecida, a segunda maior do mundo, e a estátua do Cristo Redentor, apesar de toda a crise, são ainda muito visitados. Mas são apenas pontas de uma cadeia de montanhas religiosas que atravessa todo o País, cujas elevações médias, pequenas ou minúsculas estão invisíveis a esses olhares de superfície e requerem outras prospecções.

Jejunos em assuntos sociológicos e antropológicos da fé têm dificuldade de entender o País. Anticlericais e agnósticos dominam nossa intelligentsia e parecem esquecer-se de que ganham a vida no Brasil.

Não recorremos apenas a orações católicas, ortodoxas ou apócrifas. Recorremos também a superstições, bruxarias, amuletos, curandeiros etc.

Este é o Brasil. E talvez este seja o mundo. Derrubado o regime soviético, emergiu a religião ou as religiões que tinham apenas submergido esperando passar o materialismo.

Santa Teresa D´Ávila levou um tombo, quebrou o braço esquerdo e foi ajudada por uma curandeira, a quem agradeceu numa carta escrita ao visitador e comissário apostólico, o padre Jerônimo Gracián. A santa andava desconfiada de que seus êxtases místicos e estas crenças eram armas do Demônio, mas seu confessor, o padre Francisco de Borja, garantiu-lhe que eram inspiração divina. Afinal, o Espírito sopra onde quer.

E, por fim, lembremos que o escritor Carlos Heitor Cony não acreditava em Deus, mas nos santos, sim. Afinal, todos tinham existido. E a existência de Deus era para ele um mistério no qual ele não acreditava porque, versado em teologia – tinha sido seminarista por muitos anos – não podia aceitar que o Onipotente fosse tão omisso diante das necessidades humanas.

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