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Juiz manda soltar seguranças e culpa posseiros por tragédia em fazenda de Riva e Silval

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Juiz manda soltar seguranças e culpa posseiros por tragédia em fazenda de Riva e Silval
Imagens anexadas à petição da OAB

Os quatro seguranças presos por homicídio em um conflito de terras em Colniza (1.070 km de Cuiabá), na região norte de Mato Grosso, tiveram a prisão relaxada na noite de domingo (6). A decisão é do juiz plantonista Alexandre Sócrates Mendes, de Juara (696 km de Cuiabá), que responsabilizou os posseiros pela tragédia, por terem voltado à fazenda em disputa. Ele também determinou perícia na caminhonete dos seguranças.

Os seguranças foram presos em flagrante depois do conflito na Agropecuária Bauru (antiga Fazenda Magali) que resultou na morte do posseiro Eliseu Queres de Jesus, 38 anos, e deixou nove pessoas feridas, na manhã de sábado (5). Esse foi o primeiro conflito agrário de 2019 no país.

A fazenda pertence José Riva, ex-presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, e ao ex-governador Silval Barbosa, segundo ele mesmo afirmou em sua delação premiada. O delator afirmou ter comprado a fazenda em sociedade com Riva entre 2011 e 2012 por R$ 18 milhões. Um grupo de cerca de 200 famílias acampam na estrada que dá acesso ao local e reivindicam a posse da área, afirmando que as terras pertencem à União.

O Ministério Público Estadual (MPE) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já haviam alertado, há cerca de dois meses, sobre a possibilidade de conflito na área. À época, o juiz Emerson Luiz Pereira Cajango descartou a intervenção e pediu que o Comitê Estadual de Conflitos Agrários acompanhasse o caso. A tensão aumentou depois de os donos enviarem 30 seguranças de uma empresa privada para o local.

Versões contraditórias

Na decisão que soltou os seguranças Ralf Alcantara Cruz de Carvalho, Rubens Gonçalos dos Anjos, Marcelo Brage Farias e Alajone Francisco Duarte, o juiz Alexandre Mendes destacou que as duas versões são conflitantes. Os seguranças alegam que houve troca de tiros e que eles apenas revidaram o ataque dos posseiros depois de serem cercados e levarem tiros, enquanto os posseiros afirmam terem sido atacados pelas costas pelos seguranças sem qualquer desentendimento anterior.

O delegado Alexandre da Silva Nazareth, da Polícia Civil, descartou que tenha havido troca de tiros e disse que a perícia no local encontrou apenas cápsulas de balas do mesmo calibre das armas dos seguranças.

A fazenda é disputada entre posseiros e os donos. Uma decisão de novembro de 2018 determinou a reintegração de posse da área aos proprietários, e a liminar proibia os posseiros de chegarem a menos de 5 km da propriedade. Por isso, cerca de 200 famílias que reivindicam a área acamparam na estrada, nas proximidades da fazenda. No momento do conflito, dois posseiros estavam dentro da fazenda, segundo eles, para buscar água.

Em seu depoimento, o segurança Ralf Alcantara afirmou que os dois posseiros que estavam na fazenda foram abordados pela segurança e, nesse momento, um deles correu cerca de 200 metros para chamar um grupo de 100 pessoas. Segundo ele, um dos posseiros puxou o caseiro da fazenda de dentro do carro e ameaçou atear fogo ao veículo da Unifort. Então cerca de 20 a 30 posseiros cercaram a caminhonete, alguns deles com carabinas e armas curtas, e atiraram várias vezes no veículo. Ele afirmou que os seguranças “não viram outra solução senão revidar os disparos”.

O posseiro Valmir Nunes Januário disse que faz parte do grupo de cerca de 80 pessoas que acampou no curral da fazenda nos últimos dias, pois havia intenção de trazer os barracos do grupo todo para dentro da fazenda novamente. Ele contou que, por volta das 7h, dois deles foram ao rio buscar água e foram capturados pelos seguranças. Nesse momento, o restante do grupo percebeu a movimentação e foi em direção ao rio. Valmir disse que, junto com outros posseiros, conversou com os seguranças por cerca de 10 minutos sobre a situação e, em seguida, os seguranças atiraram nas costas deles. Ele disse “que houve apenas uma conversa entre os posseiros e os seguranças e que não entende o motivo destes terem atirado neles”.

Culpa dos posseiros

O juiz Alexandre Mendes responsabilizou os posseiros pelo conflito que resultou na morte de um deles, pelo fato de terem voltado à fazenda. “A presente tragédia se deu em virtude do comportamento abusivo e ilegal dos posseiros, que mesmo após o Poder Judiciário ter deferido a posse da fazenda aos seus proprietários, com o cumprimento da decisão com auxílio da força policial, os aludidos posseiros resolveram então invadir novamente a propriedade.”

O magistrado deduziu que os posseiros estavam armados no momento do conflito. “As máximas de experiência autorizaram o exegeta a acreditar que um grupo de aproximadamente cem pessoas, ao resolverem descumprir liminar de reintegração de posse, de uma propriedade que possui segurança armada, não iriam de mãos vazias!”

Na decisão, ele afirmou que “é fato que os investigados tinham o direito de defender a posse já reconhecida pelo Poder Judiciário”. Na avaliação do juiz, “se houve algum excesso, apenas uma profunda investigação será capaz de dizer”.

Além de Eliseu Queres, que morreu, o conflito deixou nove posseiros feridos: Milton José da Silva, Moisés Ferreira, Valmir Nunes Januário, Antônio José Maia  Silva, Manoel Ferreira Barbosa, Marcos Martins do Prado, Nalbes Apolinário, Tahik Bruno Oliveira e Tiago Alves Lopes.

Histórico de violência e chacina em Colniza

O município de Colniza, no norte de Mato Grosso, tem um dos mais altos índices de violência no Brasil. A região é marcada por diversos conflitos envolvendo disputas por terras. Em abril de 2017, nove pessoas foram brutalmente assassinadas em uma chacina na gleba Taquaruçu do Norte, que fica a 250 km da cidade.

Em dezembro de 2017, o prefeito Esvandir Antônio Mendes foi assassinado a tiros no centro da cidade, enquanto dirigia sua caminhonete.

Em outubro de 2018, um indígena foi morto e outro ficou ferido depois de terem sido baleados, durante uma tentativa de invasão de uma unidade da Fundação Nacional do Índio (Funai).

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