O cinema promoveu o entrelaçar da trajetória de três mulheres mato-grossenses. A jovem diretora de Alta Floresta, Caru Roelis, idealizou o roteiro inspirado em uma tragédia da vida real. A tarefa de interpretar com sensibilidade a história de um dia na vida de Emilly, uma garota de 17 anos que vive em meio a condições precárias na periferia da cidade, coube à cuiabana Edilaine Duarte.

A atuação acaba de ser coroada com o segundo lugar no prêmio de Melhor Atriz, na mostra “Lugar de mulher é no cinema”, de Salvador. Formada pelo teatro, nos palcos e nas ruas, tem sua estreia no cinema consagrada e comemorada pela diretora do filme que apostou em seu potencial. “Vi alguém compartilhando um post que procurava meu perfil para um casting. Como era meu primeiro teste no cinema, eu fui mais pela experiência mesmo”, ela conta.

Passeio Noturno, Grupo Tibanaré

Nascida e criada no bairro Ribeirão do Lipa e depois, no Despraiado, além de atriz, Edilaine, 21 anos, é estudante de Ciências Sociais, pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). No teatro, ela começou aos 14 anos, quando estudava no Colégio Liceu Cuiabano.

Se aperfeiçoando em perfomance sem desperdiçar nenhuma oficina, que a levou a estrelar peças e desenvolver projetos em grupos como o Tibanaré e o Teatro Laboratório Experimental. Neste último, ela pesquisa corpo e poéticas contemporâneas em “Poesia-Perfomance”, junto ao ator Caio Augusto Ribeiro.

Edilaine e a preparadora de elenco Juliana Capilé

No cinema, ela já encarou logo uma trama complexa. “Um roteiro sensível, com uma história forte e dilemas muito marcantes”, afirma. Edilaine interpretou a realidade de Emilly, adolescente de 17 anos que luta para viver em uma situação precária, sozinha com seus dois irmãos e o seu filho recém-nascido, abandonada pela mãe violentada, na periferia de Várzea Grande.

Para o que considerou seu maior desafio, Edilaine contou com a experiências de Juliana Capilé e Tatiana Horevicht, veteranas nas cênicas. “Eu ainda estava em uma perspectiva teatral e elas receberam muito bem, estiveram ao meu lado a todo momento e souberam me conduzir de maneira a entender isso”.

A diretora Caru Roelis

O filme foi gravado em 2017, junto a outros cinco roteiros, quatro curtas-metragens e um piloto de série, produzidos pelo Box de Curtas, projeto que envolveu três produtoras e oito diretores associados, fruto da união de realizadores contemplados pelo edital da Secretaria do Estado de Cultura.

Circulando por festivais de cinema, como o renomado Los Angeles Cine Fest, ‘A Gente Nasce Só de Mãe’ emociona públicos com o desfecho. A cena em plano-sequência, captada pelo diretor de Fotografia Marcelo Biss, tem o efeito de “um soco no estômago”.

“Me vi na tela”

“Era como se eu conversasse com Emily a todo momento e a gente trocasse histórias. Quando eu li o roteiro pela primeira vez ou mesmo durante as gravações, eu acessava lembranças e memórias afetivas que fizeram com que eu me aproximasse dela”, conta Edilaine que revelou ter se inspirado também em mulheres da própria família para a construção da personagem.

Apesar de não ter conhecido a Emilly da vida real – devido aos traumas resultantes de um enredo de vida conduzido à uma grande tragédia – a atriz explica que pôde compreender e dar vida à sua história por um processo de identificação com suas origens; ambas são criadas na periferia e já compartilharam das mesmas dificuldades e os mesmos anseios encenados.

Elenco de ‘A Gente Nasce Só de Mãe’

“Quantas vezes já não foram na minha casa para cortar a luz e minha mãe teve que se virar em mil para dar um jeito? Também já tive que me virar sozinha para ajudar os irmãos. E o eu não vivi, eu presenciei. A Emily foi mãe cedo e eu não sou, mas tenho pessoas na minha vida que já passaram por isso e mesmo não sendo a minha história, eu vivenciei ela”, exemplifica, lembrando cenas do filme.

Apesar da semelhança entre as vivências da atriz e da personagem, quem conhece Edilaine com seu sorriso largo e o jeito espoleta, talvez não a imaginasse interpretando uma realidade tão triste. A jovem arrancou aplausos efusivos da plateia que prestigiou o lançamento de Box de Curtas, no final do ano passado, e emocionou a jovem diretora ao discursar sobre o trabalho realizado.

“Eu estava numa expectativa muito grande, muito emocionada, porque era a primeira vez que eu ia me ver em uma tela”, conta Edilaine. Sua alegria talvez tenha equilibrado o tom da trama e dado ao filme um retrato fiel da realidade de muitas mulheres brasileiras que mesmo calejadas, não perdem a vontade de seguir em frente.

“A história da Emily é um retrato vivo e real da história da força da mulher negra no Brasil, ela representa e dá voz a mulheres esquecidas, silenciadas e deixadas de lado. Eu tenho certeza que nesse momento, em algum lugar desse país, a história da Emily está se repetindo e é isso que eu mais gosto nela, o fato dela ser real”, finaliza.

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