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E se o SPFC fizesse o mesmo que o Real Madrid?

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E se o SPFC fizesse o mesmo que o Real Madrid?
O técnico da seleção brasileira Tite anuncia os jogadores convocados para disputar a Copa do Mundo da Rússia 2018.

O Real Madrid, como divulgado na imprensa mundial, contratou o técnico que estava com a Seleção Espanhola na Rússia, Julen Lopetegui, a despeito da recente renovação contratual entre o treinador e a Confederação Espanhola, prevendo a extensão do prazo de vigência do contrato até 2020.

Vamos imaginar que, por aqui, o São Paulo Futebol Clube – exemplificativamente – tivesse a mesma conduta do Real Madrid e contratasse neste mesmo momento, e nas mesmas circunstâncias, o técnico Tite.

Imaginemos, então, que a CBF levasse o caso à Justiça Brasileira. Qual seria a sentença num eventual processo visando à responsabilização do time brasileiro?

A sentença teria grandes chances de ser procedente, para condenar o SPFC ao pagamento de indenização no valor suficiente para restituir integralmente todos os danos materiais experimentados pela CBF, assim homenageando o princípio guia da responsabilização civil, qual seja o da restitutio in integrum.

O comportamento hipotético do time brasileiro, ao firmar contrato com o técnico da seleção, enquanto vigente contrato entre este e a CBF, ofenderia frontalmente o quanto previsto no artigo 421, do Código Civil, segundo o qual “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Referido princípio é consectário de um princípio maior norteador do dirigismo contratual previsto no Código Civil de 2002, qual seja o Princípio da Eticidade, pelo qual se busca o destaque, nas relações jurídicas, da moralidade, da ética, dos bons costumes e da boa-fé objetiva.

O festejado Miguel Reale, em artigo intitulado “A função social do contrato”, dá a seguinte e lapidar lição acerca do tema, dizendo resumidamente o seguinte:

“Não há razão alguma para se sustentar que o contrato deva atender tão somente aos interesses das partes que o estipulam, porque ele, por sua própria finalidade, exerce uma função social inerente ao poder negocial que é uma das fontes do direito, ao lado da legal, da jurisprudencial e da consuetudinária.”

Assim, desrespeitados os Princípios da Eticidade e da Função Social do Contrato, se apresentariam fortes os argumentos para a condenação do time brasileiro.

É de se afirmar, ainda, que com base noutro princípio, qual seja o Princípio da Socialidade, também implícito no novo dirigismo contratual pátrio, se poderia cogitar até mesmo a condenação do SPFC ao pagamento de indenização por danos morais coletivos.

Vejamos, novamente, Miguel Reale, no artigo citado:

“Como se vê, a atribuição de função social ao contrato não vem impedir que as pessoas naturais ou jurídicas livremente o concluam, tendo em vista a realização dos mais diversos valores. O que se exige é apenas que o acordo de vontades não se verifique em detrimento da coletividade, mas represente um dos seus meios primordiais de afirmação e desenvolvimento.

Por outro lado, o princípio de socialidade atua sobre o direito de contratar em complementaridade com o de eticidade, cuja matriz é a boa-fé, a qual permeia todo o novo Código Civil.

Na elaboração do ordenamento jurídico das relações privadas, o legislador se encontra perante três opções possíveis: ou dá maior relevância aos interesses individuais, como ocorria no Código Civil de 1916, ou dá preferência aos valores coletivos, promovendo a “socialização dos contratos”; ou, então, assume uma posição intermédia, combinando o individual com o social de maneira complementar, segundo regras ou cláusulas abertas propícias a soluções equitativas e concretas. Não há dúvida que foi essa terceira opção a preferida pelo legislador do Código Civil de 2.002.”

Eventual condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos se prestaria, como instrumento de pedagogia, para penalizar aquele que, com sua atitude desrespeitosa quanto à relação contratual em vigência, fizesse transparecer ao homem médio que mais vale o poder econômico e a força do dinheiro do que o respeito aos contratos.

Precedente que poderia ser utilizado, nesta hipótese, trazida a público para o debate, seria o do caso Zeca Pagodinho, que em plena vigência do contrato com a Nova Schin foi cooptado pela agência de publicidade que atendia a Cervejaria Brahma, o contratando para “mudar de lado” e desdizer em propagando todos os elogios feitos à contratante. A sentença, confirmada em instâncias superiores, condenou a agência ao pagamento de indenização por danos materiais.

Bem. Essa é somente uma hipótese, como dito acima, trazida para o debate.

Por fim, considerando que o Direito Civil Espanhol não tratasse o caso da mesma forma, a conclusão seria a de que o Real Madrid teria melhor sorte do que teria o SPFC na hipótese considerada.

De qualquer forma, como se trata de mera hipótese, estando o SPFC livre de qualquer condenação, continuo achando, por essas e por outras, que é bem melhor torcer para o meu tricolor do que para o Real Madrid.

* MAURÍCIO AUDE é advogado e ex-presidente da OAB-MT

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