Esta semana fui visitar dona Maria e encontrei-a alegre fazendo o que mais gosta: cozinhar. Puxei a cadeira e um dedinho de prosa com essa senhora, que foi nossa vizinha no bairro do Porto. Passando um cafezinho ela começou relatar seus dias e sua última novidade: está aprendendo a usar o computador. Mas, por incrível que pareça, esta não era a sua maior conquista dos últimos tempos.

Muito entusiasmada, passou a me contar sobre a sua ida ao TRE-MT, para fazer o seu cadastro biométrico para as eleições do ano que vem. Fiquei pensando: o que dona Maria teria visto nesse processo tão normal e, diga-se de passagem, obrigatório para o exercício da cidadania em 2018?

Deixei-a prosseguir sem transparecer meu espanto. E ela começou dizendo que sem esse cadastro não poderia chegar perto de uma tal “caixa poderosa”. Aí foi demais! Não resisti e perguntei: Caixa poderosa? A senhora está falando do que?

De bate pronto ela respondeu com uma cara de surpresa: da urna eletrônica, minha filha.

Ah, então é isso: a caixa poderosa é a urna eletrônica. Eu repeti engolindo o café e tentando imaginar onde essa conversa iria chegar. Ela prosseguiu dizendo com simplicidade que a caixa é pequena, faz um barulhinho esquisito e no ano em que é usada as coisas mudam de figura na cidade, no bairro e até na sua casa.

– Como assim? Perguntei.
– Verdade, ela disse. Vai chegando o tempo das eleições e os políticos começam a aparecer na TV, no bairro. É o tempo dos abraços e apertos de mão. As pessoas conhecidas que a gente nem via mais, voltam a nos visitar. Muitas telefonam e mandam aquelas mensagens pelo celular. Por que? Por causa da urna, do voto. E isso não é poder? Este ano vou dar uma ajeitadinha na casa para receber essas visitas.

Rimos juntas da situação que, no fundo, faz muito sentido. De fato, mesmo sem que maioria da população brasileira se dê conta, já estamos nos preparando para as eleições de 2018. Temos um Calendário Eleitoral e algumas ações já foram realizadas como, por exemplo, os testes públicos de segurança do sistema eletrônico de votação. Em breve, com a possibilidade de realização das pesquisas de opinião pública sobre as eleições surgirão os possíveis candidatáveis.

Entretanto, mesmo diante da importância desse processo não vejo a sociedade se articulando para acompanhá-lo de perto, para buscar meios mais efetivos de fazer com que “a caixa poderosa” delegue o poder a quem de fato o mereça ter. Em meio ao desinteresse social, eu me senti menos empolgada que a minha anfitriã. Queria ir além e buscar saber como ela escolheria seus representantes, mas olhei o relógio na parede e preferi apenas dar destaque que o poder da escolha é do povo, é nosso. E é em nosso nome que os vencedores irão definir as ações para a saúde, a educação, a segurança e até os rumos da aposentadoria etc.

E ela me olhou com um ar de espanto e disparou: eu faço a minha parte. Eu escolho. Depois disso, minha filha, é com eles. Pois é, só que infelizmente as coisas não são tão simples assim. O que dona Maria não sabe e precisaria entender é que se olharmos os fatos no prisma da democracia representativa, a escolha popular é uma etapa conclusiva do processo. Entretanto, o processo democrático é mais amplo e exige que ela siga participando, acompanhando e avaliando aqueles que foram eleitos. Aliás, ela, eu e os cidadãos brasileiros.

Pedi um pedaço do bolo que saía do forno para organizar as idéias e tentar explicar para ela que, sendo assim, a “caixa” tem poder reduzido. O poder maior estava nas pessoas que ficam diante dela. Apenas uma parte do poder vai para as pessoas escolhidas. A parte, bem maior, permanece nas mãos da sociedade, que não pode deixá-lo de lado.

E ela olhou rápido para suas mãos como dizendo: como assim nas minhas mãos? Eu acenei que sim, bem isso. Ela sacudiu a cabeça para trás numa grande gargalhada e a conversa seguiu para outro lado. Não sei se Dona Maria entendeu que somos parte de um todo e que como cidadãos não podemos pensar por partes e fracionar os nossos direitos e os nossos deveres.

Enfim, marquei outro encontro e prometi levar uma receita muito boa da minha avó para fazermos juntas, a quatro mãos, pois é dessa forma que deveríamos exercer a nossa cidadania e o controle social: juntos, com uma boa receita em mãos.

 

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