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Das superfícies e profundezas da alma

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Das superfícies e profundezas da alma
(Imagem: Divulgação)

“Eu farei lipo no mês que vem”, disse uma. “A minha não deu certo, agora vou fazer plástica no corpo inteiro”, rebateu a outra. “Pois eu coloquei silicone no bumbum e logo mais coloco nos seios”, confessou uma terceira. “Pois eu vou entrar na faca para fazer uma recauchutagem completa!”.

Ela ouvia essas conversas toda a vez que sentava para conversar. Não importava onde. Em uma festa de aniversário. Na saída da escola. Na fila do cinema. No salão. No bar. No restaurante.

Cada vez, ela se sentia mais alienígena, como se fizesse parte de outro mundo. Era o sentimento de ser estrangeira, com o qual se acostumara desde pequena.

Não que não se ligasse em estética. Ligava, sim. Consultava a dermatologista de tempos em tempos. Até se arriscara com umas injeções de Botox. E só Deus sabe o que já fez para perder peso! Ah, esse era seu eterno problema. Sua luta de quase uma vida. Ainda não sabia se eram os quilos em excesso ou o peso da vida mesmo, mas isso é assunto para outro texto.

Agora, queria focar no que virou sua geração. Toda plastificada, todas com os mesmo rosto: as bocas imensas, nenhuma linha de expressão, nenhum cílio fora do lugar. A geração Barbie.

Sim, ela também queria ser uma Barbie. Se a vida a tivesse brindado com esse prêmio, ela certamente aproveitaria. Mas não era o caso.

No entanto, apesar de sua queda pelo superficial, ela adorava o sublime, o etéreo.

Adorava se apaixonar. Por um livro. Uma ideia. Uma flor. Uma pessoa.

Como não querer falar disso também? De algo novo que aprendera, um pensamento de um escritor que descobrira, um destino novo para visitar algum dia?

Ah! O mundo que tinha a explorar!As ruas que queria passear. Os rios que queria navegar. Os mares que adoraria adentrar. As línguas que sonharia falar.

E os livros? Quantos ainda para ler. Quantas histórias para se inebriar. Quantos mundos novos a mergulhar. Nem que vivesse 100 anos teria tempo para ler tudo o que gostaria.

Quantos pensamentos nunca serão conhecidos. Mas quantos ainda poderia conhecer. Sim, ainda havia muito a fazer.

Ligava para o corpo, sim. Mas amava também a beleza da vida. A beleza interna do mundo. A emoção de um poema. A inspiração trazida por uma música. A paz no contato com a natureza.

“Eu era uma esteta, e não uma atleta, e meu único desejo era o de perambular em êxtase”, disse Lya Luft em um de seus livros. E era exatamente assim que se sentia.

Queria perambular inebriada pela vida, se emocionar, amar, rir, chorar, entregar-se.

Sim, queria ter conversas sobre o que via por fora, as aparências. Mas o seu grande vício era mergulhar no nosso rio interno. E isso ela nunca encontraria numa ida ao cirurgião plástico.

Admirava quem tentava manter as rédeas da vida com o controle da aparência, mas lutava para trilhar o caminho inverso: almejava soltar seu autocontrole para tentar se encontrar. Só assim se libertaria. De regras, de padrões e de preconceitos.

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