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Coletânea de minicontos do escritor Santiago Santos será lançada nesta quarta-feira no Sesc Arsenal

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Coletânea de minicontos do escritor Santiago Santos será lançada nesta quarta-feira no Sesc Arsenal
Foto de Andriolli Costa

Nada passa despercebido às antenas do escritor Santiago Santos. A subjetividade das emoções, os acontecimentos do dia-a-dia, uma conversa que teve, um filme que assistiu, uma notícia que não passa despercebida… Tudo pode inspirá-lo. E ele cumpre ainda um dos maiores desafios dos escritores na contemporaneidade, que é o de cooptar leitores que têm pressa. E sim, consegue cumprir com êxito a tarefa. Ao produzir minicontos, consegue desenrolar histórias criativas, de maneira dinâmica.

Do universo da internet – onde publica textos com grande regularidade no site Flash Fiction, ele transpõe para o papel histórias e personagens que passeiam por lá e que agora, se abrigam nas páginas da primeira edição da coletânea do projeto, a “Algazarra”. O livro será lançado nesta quarta-feira (29), às 19h, na Choperia do Sesc Arsenal, onde será vendido por R$ 40,00, no dinheiro, débito e crédito.

Para o novo produto literário, Santiago fez um recorte de 50 drops escolhidos a dedo. “Os melhores, na minha opinião”, diz o autor. Os minicontos foram revistos, reordenados e acrescidos de um ensaio sobre a história do Flash Fiction e os bastidores de produção. O conjunto proporciona um mergulho neste universo particular e radioativo da ficção curta.

 

Santiago explica que Flash Fiction nada mais é que o termo inglês que designa o miniconto, uma narrativa que se desdobra entre 300 e 1.000 palavras, com começo, meio e fim. O termo foi utilizado pelo autor para dar vida ao projeto que começou com posts no Facebook e acabou migrando para o site flashfiction.com.br.

Sobre os desafios de escrever minicontos, ele diz que o “barato” do formato breve é justamente a pluralidade. “Essa mistureba, a possibilidade de atirar pra qualquer lado que venha à cabeça. Uma semana é uma história policial, na outra fantástica, na outra um faroeste, na outra realista contemporânea, na outra uma ficção histórica, na outra uma falsa corrente de e-mail. As possibilidades são infinitas.”

O projeto completou cinco anos no início de 2018 e atualmente o escritor contabiliza mais de 420 textos publicados, muitos deles republicados em diversas revistas, jornais, blogs, sites e zines do país.

Foto Fred Gustavos

Santiago Santos publicou em 2016 o livro Na Eternidade Sempre é Domingo, pela editora cuiabana Carlini & Caniato, uma miscelâna de contos que explora a história e a mitologia dos incas, seguindo os passos de uma mochileira que vai ao Machu Picchu e de volta acompanhada por Nipi, um guia inca de alguns séculos de idade. Além de escritor, Santiago é tradutor do inglês, preparador de originais e jornalista. Nas horas cheias, também atua como gerente financeiro.

Publicado pela Editora Patuá, de São Paulo, Algazarra já teve lançamentos realizados no final de julho na Festa Literária Internacional de Paraty, a FLIP, no Rio de Janeiro, e nesse mês no Patuscada, o bar, café e livraria da Patuá na capital paulista. Seu terceiro e último lançamento se dá em Cuiabá, cidade onde o escritor é radicado desde garoto.

O escritor divulga para os leitores de O Livre um dos contos que integram a coletânea. Aprecie!

Guerreirão bate no peito e arrota frango com Brahma. Bar do João Cavalo, reentrâncias do Araés, beira do córrego. É onde Guerreirão enche o bucho de coragem pra erguer a mesa de Paínho Mão Santa com copo cheio e tudo e tomar mãozada na orelha, esconder dentro de si o acovardado que sai ganindo pela rua, engolir bolota cheia de cuspe grosso e devolver a mãozada. Paínho abre os braços pra se equilibrar.

Rudinei, Canhãim, Matoso, Muchiba, todos abrem. Eles abrem que isso não é coisa de meter bedelho. Vira um Gol na esquina, Matoso sai erguendo o braço pro carro fazer a volta que a rua fecha, fecha com os clientes do João Cavalo levantando e se esgueirando pra orla do poste, ninguém quer apanhar mas ninguém quer perder.

Paínho tá mal que tava no décimo-segundo copo e depois do décimo Paínho abre o botão do shorts. As pulseiras douradas tremem nos pulsos. Paínho tem um olho bem vermelho no canto esquerdo, que foi do dia que Guerreiro ainda pequeno botou fogo no mato nos fundos da casa e Paínho foi apagar e voou faísca no olho. Nunca mais sarou, nem sarou a vontade de descer a mão em Guerreiro, que guerrear ainda não sabia.

Guerreiro entra no suingue calcinado das botinas e desvia de um e dá outro nas costelas. O Mão Santa sai capengando e demora uns bons respiros pra recauchutar o fôlego, as fritas na tampa da goela. Tenta outro e mais outro e logo tá no chão com um rasgo no joelho e João Cavalo pede calma que isso é lugar de paz e cerveja cura, não maltrata, qué isso Guerreiro, não acaba com meu sustento.

Guerreiro tateia no fundo do bolso foló de Paínho e puxa a carteira, tira a foto da mãe, rasga, enfia o dinheiro na mão dele e diz pra subir a Miguel Sutil, comprar a passagem que der na rodoviária e nunca mais voltar pra Cuiabá. Paínho Mão Santa engole o restinho de orgulho no seco e cambaleia pros lados do viaduto.

Guerreiro seca a Brahma da mesa ao lado, pega Rudinei pela nuca, aperta. Tá aqui teu tempo. De escolher se vai com Paínho e dispersa a chucraiada ou se vai aprender a escutar e botar ordem na casa. Rudinei devolve o aperto.

João Cavalo encerra os pedidos dos melindrosos, desce um caldinho pras pazes com os que ficam.

Guerreirão desce o córrego de manhãzinha, trançando. Entra na casa, Jucinda agarrada na ponta do lençol, o peitinho na sinfonia do sono esfomeado. Olha o retrato da mãe na parede, descascado, única decoração da casa fora a TV em cima da cadeira. Coloca o pão na mesa. Dorme fazendo cafuné na filha.

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