Era cedinho quando me dirigi para a casa da dona Josefa, na verdade dona “Jefa”, como era conhecida por todos da nossa família. Precisava consertar o punho da rede que ganhei de casamento, uma peça de valor sentimental que entregaria para o passatempo de uma artesã que aprendeu a tecer sua vida com a mesma arte e zelo que alinhava os fios.

Enquanto seguia para o final da Várzea Grande fui recordando de sua figura. Uma mulher forte que criou sozinha uma dezena de filhos numa simplicidade e humildade tão grandes quanto seu caráter e sua fé.

Bati palmas em frente à sua casa e chamei-a pelo nome. Sem sair de onde estava gritou: – “Pode entrar, a casa é sua!”

Acostumada a trancas, câmeras, portões e grades, achei de uma liberdade incomparável a sua certeza que a presença era bem-vinda e vinha em paz. Queria muito poder ficar assim em mais lugares.

Entrei com sorriso no rosto. Ela veio ao meu encontro com aqueles braços abertos próprios de quem sabe o valor do gesto.

Começamos a conversar, mostrei a rede e deixei claro que não tinha prazo de entrega para o reparo. Dona Jefa se levantou para fazer um guaranazinho ralado na hora e no ritmo da grosa perguntava de todos. Por vezes ficava séria com a resposta ou abria seu sorriso lindo.

Aproveitei a ocasião para saber de seus dias, seus afazeres, seus filhos e netos. Num tom de alegria ela disse: – Aqui é casa dos netos e dos bisnetos. Faço todos os gostos, não deixo ninguém “ralhar” com eles. Ultimamente gasto meus dias com as crianças e o fuxico. Agora, faço fuxico minha filha!

Assustei-me e arregalei os olhos sem sentir, pois sabia que ela era um túmulo e nunca foi afeita a conversas fiadas. Aliás, fazer fuxico era algo que a deixava irritadíssima.

Vendo a minha reação, rapidamente emendou: – Colcha de fuxico minha filha. Vou fazendo rodinhas cada uma de uma cor com as sobras dos panos das costuras das comadres vizinhas. Depois junto umas às outras até ficar do tamanho que eu quero. Isso tem me ajudado a passar o tempo, desanuvia a minha cabeça e ainda ganho uns trocados.

Não resisti e perguntei: – Mas Jefa, a senhora não ia aproveitar estes anos para descansar?

– Qual nada minha filha, se a gente ficar olhando o tempo passar, morre mais cedo.

Tomamos o guaranazinho, conheci os fuxicos, encomendei uma colcha e voltei para casa ouvindo o rádio.

Várias pessoas davam suas opiniões sobre assuntos diversos, por vezes em tom irônico e, em alguns casos, passavam informações relevantes sem dizer sequer a fonte da notícia. Engraçado como, na atualidade, conseguimos tratar coisas sérias em tom de banalidade e corremos o risco de espalhar fatos com base em suposições.

Na hora me veio à cabeça a colcha de fuxico da dona Josefa. Naquele caso a ação é uma técnica sustentável, é arte. No outro, as partes não se juntam, parecem não ter começo e nem fim, podendo ter impactos nada sustentáveis. Para este caso aplica-se o termo “Fake News”. Um nome pomposo que já fez surgir no mercado brasileiro agências especializadas em checar a veracidade das notícias.

O fato é que da arte ao desastre temos um único fio condutor: o cidadão e a sua capacidade de refletir, fazer escolhas e decidir o seu destino.

O filósofo chinês Lao-tzu nos alerta: “Cuidado com seus pensamentos; eles se tornam palavras. Cuidado com suas palavras; elas se tornam ações. Cuidado com suas ações; elas se tornam hábitos. Cuidado com seus hábitos; eles se tornam caráter. Cuidado com seu caráter; ele se torna o seu destino”.

Por mais arte, sustentabilidade e “colchas de fuxico” no mundo!

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