José Luiz Medeiros
Desfile do bloco de carnaval Seu Que Brilha, em Santo Antônio de Leverger
A história começa assim: década de 70, ditadura militar, uma cidadezinha de interior e homens que brincavam de se vestir de mulher. Em algum momento, numa mesa de bar, pareceu uma boa ideia dar vazão às fantasias e formar um bloco de carnaval. Melhor ainda foi o nome criado, escandaloso até hoje: Seu… Que Brilha.
Quatro décadas depois, o grupo segue despudorado pelas avenidas do município de Santo Antônio de Leverger, a 30 km de Cuiabá, onde vivem 19 mil pessoas. São anos e anos recebendo foliões de todas as classes e orientações sexuais. Travestis são coroadas e desfilam com destaque.
“É um bloco desprovido de qualquer preconceito. Tanto é que a gente até tinha três banheiros na quadra: um de mulher, um de homem e outro GLS – gays, lésbicas e simpatizantes. Acontece que montaram um restaurante aqui, e o proprietário tirou o terceiro”, conta o presidente, Manoel Divino de Araújo.
Na noite da segunda-feira, 27 de fevereiro, foi a hora de derrubar mais um tabu. Faltava pouco tempo para o desfile e não havia porta-bandeira para conduzir o bloco – o vestido não havia servido na passista escalada para a função. Mas alguém acabaria topando.
Enquanto vestia a anágua, subia no salto e ajeitava a peruca, o estudante Nalbert Leite, ritmista do Seu Que Brilha, ouvia louvores pela lacração. O bloco nascido na ditadura militar teria, pela primeira vez em 43 anos, uma porta-bandeira gay.
“Hoje à tarde, vim para ver como estavam os preparativos e entrei nessa. Só me monto no carnaval, faço isso há quatro anos, mas nunca tinha saído como porta-bandeira. Para bem dizer, a gente ‘se acha’ ali na avenida”, admitiu.
Maria Angélica Oliveira
Bloco formado por público GLS, Seu Que Brilha desfilou em Santo Antônio de Leverger na segunda-feira (28)
Com olhos apertados e boca bem desenhada, a porta-bandeira reinou no trajeto. Ao lado dela, formou-se a comissão de frente da diversidade: Carlita, que desfila no bloco há 25 anos, e Kellem Cristina, 17 anos de pista.
“Meu melhor carnaval foi em 2015. As musas escolhidas disseram: “Não achamos justo nós sermos coroadas e não sabermos sambar. E, você, que sabe sambar tão bem, não estar no palco com a gente. Sobe pra cá”. E passaram a faixa para mim. Eu amei, foi muito marcante”, relembra Kellem.
Mais quieta, Carlita conta que gosta de Carnaval desde criança e que nunca sentiu preconceito ao desfilar na cidade. A melhor resposta vem após ser questionada como se sente. “Uma poderosa, uma diva de Santo Antônio”, diz, abrindo um sorriso relaxado. E sai sambando.
Maria Angélica Oliveira
Bloco formado por público GLS, Seu Que Brilha desfilou em Santo Antônio de Leverger na segunda-feira (28)
Maria Angélica Oliveira
Bloco formado por público GLS, Seu Que Brilha desfilou em Santo Antônio de Leverger na segunda-feira (28)