Cidades

Ao tentar se aposentar mulher descobre que já estava “morta”

9 minutos de leitura
Ao tentar se aposentar mulher descobre que já estava “morta”
Begail Eufrásia roga a todos os santos para resolver seu problema. A propósito, ela "morreu" no dia de todos eles. (Foto: Suellen Pessetto/ O LIVRE)

Em 2010, quando ouviu de colegas que, levando em consideração a sua idade e seu tempo de serviço, ela poderia se aposentar, a enfermeira Begail Eufrásia de Farias foi logo em busca de um registro do tempo trabalhado na Prefeitura de Cuiabá. O objetivo era somar mais um vínculo empregatício à papelada do INSS, necessária para se aposentar.

Ao receber em mãos o documento impresso no setor de Recursos Humanos do município, porém, percebeu uma sucessão de erros. Parecia que, para cumprir tabela, informações aleatórias foram adicionadas ao relatório de provimento da servidora. O que era para ser apenas um passo na burocracia rumo à aposentadoria, revelou-se o começo de um outro problema. Essa sucessão de erros foi concluída com o pior de todos: segundo essa papelada da Prefeitura, ela já estaria morta!

“Não constavam os quatro anos em que atuei na Policlínica do Planalto, apenas o que trabalhei na do Pascoal Ramos. Assim, dez anos se transformaram em seis”. Além disso, percebeu que ironicamente constava como início do exercício a data de 1º de abril de 2001 -e não de 1995, se fosse o caso de terem contabilizado todos os anos na Pascoal Ramos.

“E por fim, estava como se eu tivesse trabalhado só sete meses porque constava exoneração em 1º de novembro [mais uma vez a ironia: Dia de Todos os Santos] de 2001”. Mas foi o motivo da exoneração que a deixou ainda mais estarrecida: “falecimento em atividade”.

“A Prefeitura me matou, só não sei onde estou enterrada. Uns amigos brincam e me pedem para que os avise onde é que está minha lápide que eles querem ir lá rezar por mim, ou chego e eles dizem: ‘olha aí a morta-viva’. Hoje, eu já consigo rir disso tudo, mas me entristece não ver a resolução deste caso. Lá se vão oito anos”, conta.

Em atividade por anos a fio – precisamente desde que se formou na faculdade, em 1979 – Begail se sente cansada e sonha com a aposentadoria. “Quero somar esse tempo que atuei na Prefeitura, que seja parte dele, aos anos trabalhados na Santa Casa e como servidora efetiva no Estado”, explica.

Dona Bega, como é carinhosamente chamada pela família e amigos, nasceu e foi criada no bairro Araés, em meio às casas da rua Tenente Eulálio Guerra. Casou-se em 1981 e, então, mudou-se para o Parque Cuiabá, onde reside até hoje. Há quatro meses se recupera de um infarto. Ficou dez dias na UTI por conta de uma lesão na artéria coronária e agora, deseja como nunca que possa enfim, parar de trabalhar. Hoje, atua no Centro de Atendimento Psicossocial Adauto Botelho, onde está de licença médica.

Calvário  

Dona Begail se fortalece com a fé na resolução do caso. Sobre as brincadeiras dos amigos, só lhe basta rir. (Suellen Pessetto/ O LIVRE)

Begail conta que trabalhou na Santa Casa de Misericórdia por 20 anos na lida diária da enfermagem e supervisão de equipes. A excelência no trabalho rendeu até mesmo uma homenagem de honra ao mérito. Ao tempo em que já trabalhava lá, fez concurso para a Prefeitura de Cuiabá. Classificada no processo seletivo, passou a atuar também em policlínicas da capital, dividindo-se entre os dois trabalhos.

“Sempre trabalhei muito, por vezes, de segunda a segunda, 24 horas no ar. Me revolta ter trabalhado por dez anos e ter reconhecidos apenas seis deles, mas pelo menos esses seis quero que sejam reconhecidos. Tenho 64 anos e não posso me aposentar. Com essas novas leis, complicou ainda mais minha situação”, avalia.

Ela conta que trabalhou por quatro anos na policlínica do Planalto. “Certo dia – lembro bem que era um 7 de setembro, só não agora se era 96 ou 97, quando uma colega disse que eu podia ir embora, que estava dispensada e ela assumiria meu lugar a partir dali. Daí permaneci o plantão todo junto com ela e, no dia seguinte, peguei minhas coisas e fui embora. À época, eu já estava dando aula no Senac mesmo, bastante cansada e, ainda por cima, eu já ia começar no próximo mês na policlínica da polícia, bem lá na Major Gama”.

Segundo Bega, ninguém lhe passou qualquer notificação. “Nem fui atrás, pois eu já tinha viagem agendada. Nem fui receber meu pagamento porque aquele dia que ela me falou para ir para casa, era o último do mês, não teria nada para receber. Foi ingenuidade minha. Quando no início do ano – mais de três meses depois fui até o RH, haviam avisado que nos meus registros constava que eu tinha abandonado o emprego. E como já tinha outra história de que para receber salário precisávamos fazer um CDC no Banco do Brasil, me cansei e decidi sair da Prefeitura, em 2001”.

Em 2002 fez concurso para o Estado e, ao tomar posse no ano seguinte, ingressou na equipe de enfermagem como plantonista no Centro Integrado de Assistência Psicossocial, o Hospital Adauto Botelho. “Gosto do que faço. Acho que o que me despertou para o ofício da enfermagem foi por conta do meu irmão. Ele morreu na porta da Santa Casa, sem assistência. Achei que assim pudesse ajudar outras pessoas”.

Quando os colegas da Secretaria de Estado de Saúde disseram para ela que dava para se aposentar – segundo o sistema previdenciário da época – ela se animou e se mobilizou para levantar a documentação. “Á época podia somar tempo de serviço mais a idade. E então fui atrás de todos meus vínculos empregatícios”

Assim, na época, ao procurar a Prefeitura pela primeira vez, descobriu então, que ela não estava nos registros e que eles poderiam ir mais a fundo na pesquisa se eu apresentasse um holerite. “Imagina se eu tinha holerite de tanto tempo atrás”.

“Eles disseram que se não houvesse algum documento que comprovasse que ela havia trabalhado lá, ela teria que procurar no arquivo morto. Me contaram que o lugar parecia um mausoléu, com salas cheias de documentos acondicionados em sacos de lixo do tipo sanito, eu acabei largando mão de tão difícil que ia ser e nem que eu quisesse. Tenho asma e minha situação se complicaria, sem contar que não tinha autorização”.

Mas foi então que, remexendo caixas antigas em casa, no início de 2010, encontrou um destes documentos. “Fui à Prefeitura e descobri que eu havia morrido”, lembra, indignada.  Recentemente, orientada por advogada entrevistada por uma TV local que produziu reportagem sobre o caso, foi ao cartório e emitiu nova certidão de nascimento para provar que não havia nada sobre eventual óbito. “Também busquei apoio da Defensoria, infelizmente perdi dois anos até que me falassem que eu não poderia contar com a ajuda deles, já que eu ganhava mais que R$1.500,00”.

Viva para pagar as contas

“Não acho justo ter largado meu filho na mão dos outros a vida toda e não poder contar com essa ajuda. Para receber meus benefícios estou morta, mas para pagar IPTU, estou bem viva, não é mesmo? Contas chegam o mês todo para eu pagar. Mas eu tenho fé que Deus vai me ajudar”.

Begail conta que voltou à Prefeitura em novembro do ano passado e entregou documentação para um novo advogado. O LIVRE consultou o secretário-adjunto de Previdência de Cuiabá – Cuiabá-Prev, Fernando Jorge Mendes que se comprometeu a analisar o caso. Ele pediu que ela o procure para que possam resolver a situação. O LIVRE vai acompanhar os desdobramentos.

Bega desafa:

YouTube video

Na manhã do dia 18/07, a Prefeitura de Cuiabá encaminhou nota ao LIVRE, dizendo que está a orientando:

Sobre a reportagem publicada no site “O Livre” intitulada: “Ao tentar se aposentar mulher descobre que já estava ‘morta’”. A Prefeitura de Cuiabá vem a público esclarecer:

Primeiramente, são segurados obrigatórios do Regime Próprio de Previdência Social – RPPS da Capital, regido pela Lei Complementar nº 399, de 24 de novembro de 2015, os servidores ativos e inativos dos órgãos da Administração Direta e Indireta do Poder Executivo do Município de Cuiabá/MT, bem como os ativos e inativos do Poder Legislativo.

Vale ressaltar que em contato telefônico anterior, o secretário-adjunto de Previdência, Sr. Fernando Jorge Mendes de Oliveira, se colocou a disposição da reportagem e da Sra. Begail Eufrasia de Farias, para dar as devidas orientações e esclarecimentos.

A Sra. Begail Eufrasia de Farias, não possui vínculo com o sistema previdenciário deste Município, motivo pelo qual não irá se aposentar por este RPPS. Nesta terça-feira (17), recepcionada junto à Prefeitura Municipal de Cuiabá pelo Diretor de Recursos Humanos, Neudio Cavaleiro, e pelo secretário-adjunto de Previdência, Fernando Jorge Mendes de Oliveira, a Sra. Begail Eufrasia de Farias expôs o seu anseio e foi orientada a requerer a Certidão de Tempo de Contribuição – CTC, documento exclusivo para ex-servidores que contribuíram ao Regime Próprio de Previdência Social. A certidão permite ao ex-servidor utilizar o seu tempo de contribuição em outros sistemas previdenciários para fins de obtenção do benefício da aposentadoria.

Quanto ao afirmado em matéria, acerca da suposta descoberta que a Sra. Begail Eufrasia de Farias estaria “morta”, é imperioso destacar que não há nenhum documento timbrado/oficial da Prefeitura de Cuiabá atestando essa informação.

Por fim, informamos que a Sra. Begail Eufrasia de Farias, está recebendo toda atenção e orientação necessária por parte da Prefeitura Municipal de Cuiabá, o que é de praxe desta Gestão, prezando pelos diretos do cidadão, em atenção à política de humanização determinada pelo Prefeito Emanuel Pinheiro, onde todo servidor público se dispõe a atender o cidadão.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros




Como você se sentiu com essa matéria?
Indignado
0
Indignado
Indiferente
0
Indiferente
Feliz
0
Feliz
Surpreso
0
Surpreso
Triste
0
Triste
Inspirado
0
Inspirado

Principais Manchetes