A ideologia que rege a conduta de alguns agentes estatais é tão surreal que só prova o fato de que muitas políticas públicas têm sido gestadas em uma realidade paralela na qual o que vale é a utopia, transplantada a fórceps por meio de ações e leis ambientais que não se encaixam fora das pranchetas governamentais – e às favas a realidade.

Após um sassarico pela “defesa do meio ambiente”, em ação coordenada, o estado de Mato Grosso fechou — simplesmente — o balneário mais popular dos cidadãos de Cuiabá, a Salgadeira, legada por anos e anos a um ostracismo involuntário, malgrado todo dinheiro investido no novo “projeto” do dito Complexo Turístico.

Ocorre que quando decidiram voltar as atenções ao lugar, não houve ali ações – como havia de se esperar – para que ocorresse a “utilização sustentável” do ribeirão Salgadeira pelo povo; o que houve foi a implementação de sua “inutilização sustentável” às custas do contribuinte, pois, debalde os fatos, o balneário da Salgadeira não pode mais ser usado como… balneário. Eis o tom inicial do surrealismo gestado na realidade paralela do estado.

Não importa o governo, aqui já fica evidente a inversão de valores de base ambientalista acatada pelo Estado sem nem perceber a incongruência nas ações lá tomadas: em vez de se adaptar o meio ambiente tido como “degradado” para que seu uso pelo povo fosse coexistente com sua recuperação, na medida do real, do factível e do possível, optou-se por simplesmente fechar o balneário e criar estruturas que perdem seu próprio sentido de existência naquele lugar.

A Salgadeira não tem a mais bela vista do paredão, não tem a mais bela cachoeira, não tem o melhor balneário, como não tinha o melhor restaurante, a melhor quadra de areia, o melhor pequeno campo de futebol, as melhores quadras esportivas; a razão da sua popularidade era a somatória de fatores que, decerto, o mais relevante deles era o fácil acesso ao banho no córrego calmo, em que as famílias poderiam se deleitar e ao mesmo tempo gozar de todos os fatores acima mencionados, possuindo ainda restaurantes, banheiros, estacionamento e acesso facilitado – sobretudo aos idosos e crianças.

Na implementação estatal foi mandada às favas a realidade e o interesse do povo, o que importa é revolver a realidade ao “status quo” existente antes mesmo da chegada dos Bandeirantes, quiçá antes mesmo dos índios. Logo, uma irrealidade tão evidente que causa espécie que tenha defensores que não por radicalismo ambiental. Ou seja, a única forma de se manter o córrego sem “degradação” alguma foi vetar seu uso.

Pois bem, todo o mundo se preocupa hoje com o “uso sustentável” do meio ambiente, mas certamente isso implica inexoravelmente que haja seu efetivo uso. Vedar o acesso ao córrego e forçar que se ande em passarelas como em bretes de madeira não parece ter nem mesmo um esbirro do que fez a Salgadeira ser o que era. Não importa qual atividade se faça lá: não sendo pela somatória do balneário que foi, perde sua natureza intrínseca, resta um lugar longe e de atrativos questionáveis (comparado com seus “concorrentes” a poucos quilômetros); resta também o enorme dispêndio de dinheiro público em acatar cegamente uma imposição “em nome do meio ambiente” e de uma utopia ambiental que vai contra a humanidade, pois não preserva para o futuro, mas inviabiliza para sempre.

Tornando ao uso sustentável (o real!, não o previsto na realidade paralela), relembre-se, sem exemplos pitorescos, das praias fluviais em Portugal que são a alegria do povo comum, daquele que não pode cruzar o Atlântico e visitar o nordeste brasileiro durante férias; ou então das praias italianas da Costa Amalfitana com seus empreendimentos à beira-mar, com falésias iluminadas e hotéis pendurados, gozando em sua plenitude a integração entre preservação e uso humano, logo, turístico.

O mundo paralelo que pretende que o meio ambiente reste “intacto”, “virgem”, “como antes” mesmo após a chegada do Homem impõe uma inversão de valores: em vez de se usar os recursos naturais, preservando-os da melhor maneira – frise-se: possível e viável –, opta-se por obrigar que o Homem se adapte a uma noção utópica de meio ambiente criada em gabinetes por burocratas, e, como no caso da Salgadeira, simplesmente tornando o lugar não acessível aos gozos que a natureza fornece. A ação tomada definitivamente não consubstancia uso sustentável, pois há privação da maior utilidade do local que poderia ser viabilizada, mas precisaria ser abandonada a ideologia que levou à utopia.

“Então vamos usar até acabar, é isso que você propõe?”, somente uma mente muito sectária e alienada habituada à realidade paralela mencionada alhures entenderia isso. O que proponho é que como sempre foi, é e será uso sustentável: que nós usemos o meio ambiente ao nosso favor, no mínimo com adaptações recíprocas, não com simples imposições de restrições absolutas por conta de ideologias ambientais alheias à realidade. A proposta é preservação, na medida do possível!, mas que o foco seja o Homem, não o córrego como nos tempos que precederam Pascoal Moreira Cabral.

É bastante confortável se discutir “defesa” do meio ambiente nestes termos absolutos citando-se possíveis estudos sobre “destruição de matas ciliares”, “ausência de área de preservação permanente”, “degradação do curso d’água” e manifestar-se pelo seu fechamento integral quando se tem, como opção à Salgadeira, piscina em casa e no condomínio fechado de luxo no qual reside, lancha no Manso, feriados na praia, férias na Europa ou em alguma ilha paradisíaca.

Porém, o povo paga impostos escorchantes e vê tamanha fortuna dessa “arrecadação” investida em seu desfavor e prejuízo, aplicadas pelo Estado para barrar seus históricos prazeres e impedir que ele goze de atividades mínimas conciliáveis com a preservação e uso sustentável. É preciso frear essa “psicose ambientalista” que nos tem custado muito caro, quer seja financeiramente quer seja do ponto de vista da existência da vida humana: o meio ambiente é que deve servir ao ser humano, e não o ser humano servir ao meio ambiente.

* Fernando Henrique Leitão é advogado e membro do Instituto Caminho da Liberdade – ICL-MT

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